
Nabil Bentaleb foi protagonista daquele que é, até agora, o grande regresso da temporada. Oito meses depois de ter sofrido uma paragem cardiorrespiratória, o médio argelino voltou aos relvados para iniciar, quatro minutos depois de entrar, a vitória do Lille frente ao Rennes. Uma história «digna de filme», de um jogador que, aos 29 anos, teve o maior desafio da sua já rica carreira.
O Lille é um dos clubes de formação de Bentaleb, 52 vezes internacional pela Argélia, que começou a carreira profissional no Tottenham. Médio de toque requintado, cedo chegou à equipa principal dos spurs, onde, com 19 anos, teve a primeira oportunidade no futebol sénior. Apesar da inegável qualidade técnica, fazia parte de um recheado plantel que não lhe permitiu ter as oportunidades que achava adequadas. Entrou, por isso, em litígio com o treinador Mauricio Pochettino e saiu, rumo ao Schalke 04.
Na Alemanha, as coisas também não correram particularmente bem e chegou mesmo a ser suspenso e despromovido à equipa sub-23 do Schalke. Depois de quatro anos em Gelsenkirchen (com um empréstimo ao Newcastle pelo meio), regressou a França para jogar no Angers e, mais tarde, pelo Lille. Na época passada, somou 34 jogos por les dogues. Só na primeira época no Schalke, em que jogou em 44, é que fez mais. Foi um dos prediletos de Paulo Fonseca no ataque ao acesso à UEFA Champions League, que acabou por se concretizar no final do campeonato. Um ano de sucesso que, no espaço de um mês, se transformaria em grande susto.
Bentaleb: o susto no verão e o regresso em festa
A 18 de junho de 2024, o Lille anunciou que Bentaleb havia sido hospitalizado com um problema de saúde. Mais tarde, acabou por se confirmar tratar-se de uma paragem cardiorrespiratória. O jogador ficou internado e, aos 29 anos, encarava a possibilidade de ter de terminar a carreira. Colocou um desfibrilhador interno, à semelhança de Christian Eriksen, e, na última quarta-feira, teve finalmente autorização para voltar a treinar, tornando-se, assim, o primeiro jogador a ser autorizado a jogar em França com um desfibrilhador subcutâneo. No dia seguinte, ingressou nos trabalhos coletivos, sob aplausos de colegas e restantes funcionários do clube.
Três dias depois, fez parte do plantel que se deslocou ao terreno do Rennes no campeonato. Brice Samba, guarda-redes dos anfitriões, fez uma belíssima exibição e até parou um penálti de Akpom no primeiro tempo. Com o 0-0 aos 76', Bentaleb voltou à competição e só precisou de quatro minutos para desbloquear o marcador. O momento de visível emoção partiu do próprio argelino, que não conteve as lágrimas durante os festejos.
O Lille acabou por vencer por 2-0 e, no final, Bruno Génésio, treinador, mostrou toda a satisfação. «É uma história incrível e estamos todos felizes por estarmos a vivê-la. Ficámos nas nuvens. É difícil descrever estas coisas. Foi um momento muito emotivo. É uma história digna de filme, que ficará na memória do clube, desta época e de todos os jogadores», afirmou.
Bentaleb é caso raro... mas não único
O caso de Bentaleb é apenas mais um de jogadores que, de repente, colapsam. O mais recente é o de Edoardo Bove, jogador da Fiorentina que, aquando do jogo com o Inter, caiu inanimado em campo. O jogador acabou por recuperar, mas teve de colocar um desfibrilhador interno, o que, pelas regras da Serie A, o impede de jogar em Itália.
Foi o mesmo que aconteceu a Eriksen, que agora representa o Manchester United e que era jogador do Inter quando, no Euro 2020, caiu sem reação no relvado durante o Dinamarca-Finlândia. Os momentos que se seguiram foram de pânico e ansiedade para todos os que os acompanharam, não só pela televisão, mas, e sobretudo, no relvado. Os jogadores protegeram Eriksen enquanto este era reanimado, com o capitão Simon Kjaer a ser o único a observar os exercícios médicos. No final, um alívio: mesmo de maca e com uma máscara de oxigénio, Eriksen saía do relvado do Parken com o polegar levantado, simbolizando que estava tudo bem. «Falei com Eriksen enquanto estive no hospital, ele ajudou-me muito porque eu estava às escuras», anunciou Bentaleb.
Em Inglaterra, a 16 de dezembro de 2023, Tom Lockyer, jogador do Luton, caiu inanimado durante o jogo contra o Bournemouth. O jogo acabou por ser abandonado, com 1-1 no marcador, e o clube rapidamente anunciou que o jogador estava em condição estável. Depois de colocar um desfibrilhador interno e de um ano de recuperação, Lockyer estava prestes a regressar aos treinos coletivos quando, em dezembro passado, sofreu uma lesão no tornozelo, que o obrigou a cirurgia.
Todos estes jogadores tiveram problemas cardíacos, mas conseguiram prosseguir a carreira, algo que nem sempre é possível. Sergio Aguero é um dos casos mais conhecidos de uma história que, no que ao futebol diz respeito, não teve final feliz: aos 33 anos, o avançado do Barcelona sentiu desconforto no peito e tonturas durante um jogo dos catalães com o Alavés e, mais tarde, anunciou o fim da carreira devido a problemas cardíacos. Bentaleb também esteve perto de seguir esse caminho, com recomendações médicas a darem-lhe essa indicação. O argelino acabou por recuperar e, pelo menos para já, o regresso está a ser feliz.