Uma sequência de gestos, muitas das vezes, conta melhor uma história do que uma declaração muito palavrosa. Mijaín López acabara de se tornar campeão olímpico nos 130kg da luta greco-romana, no Champs-de-Mars. Tirou as sapatilhas com que combateu, deu-lhes um beijo carinhoso, levantou-as bem alto e de seguida deixou-as no centro do tapete. Virou-lhes costas e saiu.

Como quem coloca uma bandeira branca para revelar a sua desistência, o cubano explicou assim que este era o seu último combate, na linguagem de quem lá anda. Mas, ao contrário da desonra de quem baixa as armas, Mijaín diz adeus como um mito, história viva do olimpismo, depois de se tornar no primeiro atleta a conseguir cinco medalhas de ouro seguidas em Jogos Olímpicos em provas individuais, algo que nem Michael Phelps ou Carl Lewis conseguiram.

Mijaín López é um tipo grande, gigante mesmo, dentro dos seus quase dois metros e 130 quilos. Na categoria mais pesada da luta greco-romana, não há quem, como ele, oriente a sua força bruta para dar cabo do adversário, numa modalidade em que os atletas apenas podem utilizar os braços e o tronco para atacar. López, irmão de um boxeur também medalhado em Jogos Olímpicos, começou a competir aos 10 anos e em Atenas 2004 teve a sua experiência olímpica. Perdeu então nos quartos de final. E essa seria a sua única derrota em Jogos Olímpicos.

Daí seguiram-se ouros em Pequim 2008, Londres 2012, Rio 2016, Tóquio 2020 e, agora, Paris 2024. Prestes a fazer 42 anos, o Gigante de Herradura, uma referência ao sítio onde nasceu, no oeste de Cuba, garante que agora é mesmo o fim, que pousou definitivamente as sapatilhas de combate.

“Este é um resultado que desejava mesmo, também para o mundo e para o meu país. A recompensa de uma vida de trabalho árduo, com a ajuda de todos e da minha família. É a minha maior vitória”, sublinhou López aos jornalistas, em Paris, onde chegou depois de três anos sem lutar, a recuperar-se de lesões nas costas. A quota olímpica para Cuba foi conseguida por outro atleta, mas o país optou mesmo por enviar o seu maior campeão para que este tivesse oportunidade de fazer história. E ele correspondeu.

O rival que é um amigo

O caminho até à final começou a ficar mais claro quando López, que em criança carregava com facilidade caixas de fruta, mostrando desde logo ser rapaz de grande força, bateu o campeão mundial, Amin Mirzazadeh, do Irão, nos quartos de final. Na final, “O Terrível”, como também é conhecido, apesar do ar simpático, teve pela frente Yasmani Acosta, chileno, mas nascido em Cuba, cuja trajetória de vida está intimamente ligada a Mijaín López.

Competindo na mesma categoria que a lenda e treinando ao seu lado durante quase uma década, Acosta cedo percebeu que teria as portas dos Jogos Olímpicos fechadas, já que há apenas uma vaga por país. Em 2015, durante os Campeonatos Pan-Americanos, disputados em Santiago, decidiu desertar. Depois de trabalhar como segurança durante dois anos, em 2017 passou finalmente a representar o Chile e o sonho de ser olímpico aconteceu mesmo. Quis o destino que entre ele e uma medalha de ouro estivesse o homem que o obrigou a sair do seu país.

No final do combate, Acosta admitiu sentir “um misto de emoções”, porque queria a vitória mas, ao mesmo tempo, estava a combater “com uma lenda da luta”, “um rival, mas também um amigo”, um “irmão” que lhe deu conselhos durante toda a prova, até ao momento da verdade.

Uma lenda que agora diz adeus. O seu recorde será complicado de bater num futuro próximo, ainda que Katie Ledecky o possa igualar, se decidir ir aos Jogos Olímpicos de 2028, em Los Angeles, e voltar a ganhar os 800m livres, prova onde tem quatro ouros consecutivos.

Depois de deixar as suas sapatilhas sozinhas no centro do tapete, Mijaín López sublinhou que o gesto, além de anunciar a sua retirada, também “deixa o caminho aberto para que a nova geração continue a inspirar os outros”. O gigante vai agora descansar.